FRANCISCO, DE ONDE VINHA A TUA ALEGRIA?

Roma, 13/03/2013. Era um dia frio e chuvoso. Eu estava no seminário. O Vaticano estava mergulhado numa espera silenciosa. No coração de Roma, todos os olhos estavam voltados para a Capela Sistina, onde o conclave dos cardeais se reunia para escolher o próximo Papa. Sentia-se uma mistura de ansiedade e esperança. Que figura se seguiria a Bento XVI?

Podem-se fazer muitas análises sobre o pontificado de Francisco. Mas há uma que atravessa todas as outras: o seu apelo à alegria. Onde ia buscar essa alegria? Dizia ele que era na Misericórdia de Deus, que se alcança na confissão. Logo no início do seu pontificado disse algo que se tornaria uma marca:  “Deus não se cansa de perdoar. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão.”

Vimos, pouco depois, a imagem de um Papa a ajoelhar-se para se confessar em público. Um gesto simples, mas profundamente revolucionário: um Papa que reconhece as suas fragilidades e que se apresenta com um sorriso. Vejamos como esse percurso de conversão e humildade se desenrolou em 5 momentos da sua vida e pontificado:

1. Buenos Aires, 21/09/1953. Aos 17 anos, Jorge Mario Bergoglio preparava-se para festejar o Dia dos Estudantes, mas decidiu antes entrar na paróquia de S. José das Flores. Encontrou um padre desconhecido, confiou-se e confessou-se como nunca antes. Voltou para casa sentindo-se “chamado por Deus”, como reconhece na sua autobiografia, Esperança

“Nessa confissão aconteceu algo que não sei explicar e que me mudou a vida; foi a surpresa de um encontro com Alguém que está à tua espera.” Esse momento tornou-se o alicerce de tudo: ouvir antes de falar, aproximar-se de quem sofre, falar com linguagem simples e gestos concretos.

2. Roma, 27/09/2013. Na sua primeira grande entrevista, ao ser questionado por Antonio Spadaro (1) sobre quem era, o Papa respondeu com uma das frases mais marcantes do seu pontificado:

“Sou um pecador em quem o Senhor pôs os Seus olhos.”  Humildade não como aparência, mas como ponto de partida para toda e qualquer transformação.

3. La Paz, 10/07/2015. Diante de 6000 reclusos da maior prisão da Bolívia, Francisco não se escondeu atrás da autoridade (2):

“Aquele que está diante de vós é um homem perdoado… não me sinto melhor do que vocês.”  

Na última Quinta-feira Santa, 17/04/2025  disse numa visita a uma prisão em Roma: “Todos os anos gosto de repetir o que Jesus fez: lavar os pés na prisão… Este ano não posso fazê-lo, mas quero estar perto de vocês. Rezo por vocês e pelas vossas famílias.”

 

4. Roma, 28/03/2016. Durante a celebração penitencial “24 Horas para o Senhor”, na Basílica de São Pedro, o Papa Francisco fez uma pausa no rito, caminhou até um confessionário e ajoelhou-se. O Papa confessa-se em público e senta-se no confessionário para confessar vários jovens. 

É o caso de Letizia Speziali, uma rapariga de 15 anos de Perugia, que reconheceu depois: “A confissão não foi um interrogatório. O Papa deixou-me falar. Perguntou-me de onde sou e disse-lhe que sou de Perugia”. O Papa sorriu e disse “Perugia, a cidade dos chocolates Baci”. Estava tão emocionada que começou a chorar, e o Papa diz-lhe: “'Não te quero ver triste, os rostos dos jovens devem ter sempre o sorriso de Jesus”. Francisco dá o exemplo. A confissão é o encontro com a alegria de Deus, não é um método de autoajuda nem um cosmético. É a passagem da miséria à misericórdia.

5. Parque do Perdão em Lisboa. Lisboa, JMJ 2–8/08/2023. No Parque do Perdão, 150 confessionários construídos por reclusos portugueses acolheram jovens do mundo inteiro. Francisco via ali “a oportunidade de conversão”.

“Arrisca entrar num confessionário, esvaziar a mochila do passado e reiniciar a tua vida.”  Centenas de padres escutaram em várias línguas. Milhares de jovens saíram mais leves, reconciliados, com o coração aberto à graça.

***

Que legado nos deixa Francisco? Existirão muitos pontos de vista. Todos válidos. Mas eu penso num: na força com que nos falou sobre a alegria e a confissão. Podemos imitar Francisco em 3 passos concretos. 

  1. Confessar-nos regularmente: Se o Papa se confessa 2 vezes por mês, posso fazer um exame de consciência, reconhecer os meus pecados diante de Deus na confissão.

     
  2. Promover espaços de escuta: Na paróquia, no trabalho, na universidade, que tenhamos oportunidade de sermos “escutadores ambulantes”.

     
  3. Viver a misericórdia com gestos concretos: Como o Papa, aproximar-nos das “prisões” que nos rodeiam — solidão, exclusão, tristeza — e partilhar perdão e ternura em casa, com aquele colega difícil do trabalho, iniciar pontes com aquela pessoa com quem estamos feridos. Não somos melhores do que ninguém.

     

Francisco mostrou-nos que um gesto tão simples como ouvir, acolher e perdoar tem poder de transformar vidas. Pede-nos que sejamos instrumentos desta misericórdia 

Francisco, de onde vinha a tua alegria? A sua alegria vinha de se reconhecer vulnerável, frágil, imperfeito, pecador. Mas um pecador amado por Deus. Como cada um de nós. Obrigado, Jesus, pelo Papa Francisco. Obrigado, Jesus, pela confissão.

Notas:

  1. Entrevista do Papa Francisco a Antonio Spadaro a 19/08/2013 publicada no Observatorio Romano, Ano XLV, n. 39 (2333), 2013/09/27.
  2. Papa Francisco, “O nome de Deus é misericórdia”, Editorial Planeta, Lisboa 2016, p. 29.

2025-04-22T12:45:23Z