Fotografia acima: Sharon Lane comprou um camarote a bordo do Villa Vie Odyssey, um navio de cruzeiro residencial que faz a circum-navegação do Globo. Para Sharon, aqui fotografada no convés do Odyssey enquanto o navio passava por baixo da ponte Golden Gate, isto foi a realização de um sonho de longa data. (Cortesia Sharon Lane)
Quando Sharon Lane entrou no navio de cruzeiro Villa Vie Odyssey, em meados de junho, foi inundada por sentimentos de alegria e alívio. Este momento era a realização de um sonho antigo.
“Finalmente, posso fazer o que queria fazer há anos”, confessa à CNN Travel.
Para Sharon, não se trata de umas breves férias num cruzeiro. A californiana de 77 anos planeia estar neste navio durante os próximos 15 anos, a dar continuamente a volta ao mundo pelos oceanos e a fazer paragens em destinos que vão do Japão à Nova Zelândia.
O Villa Vie Odyssey é um navio de cruzeiro “residencial”, o que significa que os passageiros não embarcam geralmente apenas para um passeio rápido. Os seus camarotes são vendidos numa base permanente - ou pelo menos durante os 15 anos de vida estimados do Odyssey, um navio recentemente renovado e com três décadas de existência.
"Eu compro o camarote, vivo nele e pronto. E depois não há fim", conta Lane.
Ou pelo menos é essa a esperança. Os navios residenciais ainda são um território novo para o sector dos navios de cruzeiro.
Embora o Odyssey esteja atualmente a navegar tranquilamente pela Costa Oeste dos Estados Unidos, o seu lançamento inicial foi adiado durante meses. Entretanto, alguns passageiros, incluindo Sharon Lane, já tinham passado pela desilusão de um cruzeiro residencial de longa duração anterior que colapsou antes mesmo de conseguir garantir um navio.
Operado pela empresa de cruzeiros Villa Vie Residences, o Odyssey zarpou finalmente no final de setembro do ano passado. Ainda há cabines disponíveis para compra. Sharon Lane comprou a sua no final do ano passado e embarcou vários meses depois, quando o navio passou pelo seu porto de origem, San Diego, na Califórnia.
O diretor executivo da Villa Vie Residences, Mikael Petterson, afirma que os preços dos camarotes começam em 129 mil dólares (110 mil euros) por um camarote interior durante 15 anos, para além das taxas mensais - 2 000 dólares (1700 euros) por pessoa e por mês para ocupação dupla, 3 000 dólares (2.560 euros) para ocupação individual. As cabines externas começam em 169 mil dólares (144.165 euros), com taxas mensais de 500 dólares (430 euros) por pessoa.
Estes valores não são baratos - mas permanecem comparativamente baixos em contraste com o The World, a única outra experiência residencial em navios de cruzeiro atualmente no mar, que se destina a um mercado mais luxuoso com um preço inicial de 2,5 milhões de dólares (cerca de 214 milhões de euros). Existem outros projetos de navios residenciais em curso - como o NJORD, uma autodenominada “comunidade exclusiva no mar” - mas ainda não foram concretizados. O conceito do Odyssey também é potencialmente mais barato do que saltar de uma viagem de cruzeiro mais curta para outra.
Os proprietários da Villa Vie Residences também podem alugar o seu camarote a outros, o que significa que os passageiros de curta duração ainda podem entrar e sair da Odyssey. Mas a maioria dos proprietários comprou o seu camarote com a intenção de viver a bordo, de acordo com a companhia de cruzeiros.
“A maior parte dos nossos camarotes são vendidos a residentes a tempo inteiro ou quase a tempo inteiro”, afirma Mikael Petterson à CNN Travel. "Só conheço um par de residentes que têm camarotes de investimento que alugam ativamente. A maioria dos alugueres vem de proprietários que decidem ficar fora do navio por um período de tempo".
Sharon Lane diz que utilizou as poupanças de uma vida inteira para comprar o seu camarote interior, mas considera que é um bom negócio. A comida e os refrigerantes estão incluídos na mensalidade dos residentes. Assim como o álcool ao jantar, Wi-Fi e visitas médicas (mas não procedimentos ou medicamentos). Há também serviço de quartos 24 horas por dia, sete dias por semana, serviço de limpeza semanal e serviço de lavandaria bissemanal, sem custos adicionais.
"Já não tenho de lavar a minha roupa. Não tenho de fazer as compras de mercearia", diz Sharon Lane. “Viver no navio é muito menos dispendioso do que viver no sul da Califórnia”.
O entretenimento também é oferecido, incluindo “um dueto de cantores, pianista, dançarinos profissionais”, de acordo com Mikael Petterson. Os artistas locais são contratados nos portos de escala e os residentes são também encorajados a organizar os seus próprios eventos num “canto dos oradores” regular.
“Os residentes fazem apresentações todas as semanas”, diz Mikael Petterson. “Temos uma comunidade muito diversificada, incluindo um vencedor do Prémio Nobel da Paz, um chefe de gabinete da Casa Branca, um astronauta e muitos cientistas e médicos a bordo que partilham os seus conhecimentos e experiências”.
O Odyssey costuma parar em cada porto por alguns dias, onde são organizadas excursões opcionais em terra por uma taxa adicional. Ao longo dos 15 anos de vida previstos, o navio dará continuamente a volta ao mundo, fazendo escala em locais diferentes em cada circum-navegação.
Sharon Lane diz que está entusiasmada com os destinos, mas estar no navio é a sua parte favorita do cruzeiro e planeia passar a maior parte do seu tempo livre no convés. Diz que sua cabine sem janelas serve apenas para dormir.
O beliche de Sharon é “na parte da frente do navio, porque aí consigo sentir mais o oceano”, acrescenta. “Gosto do movimento do oceano”.
O Odyssey, com oito andares, pode “tecnicamente” acomodar 924 pessoas, de acordo com Mikael Petterson, da Villa Vie Residences, mas alguns camarotes foram agora combinados num só, o que significa “cerca de 450 camarotes no total”.
“Dada a taxa de solteiros e o facto de os residentes viajarem frequentemente para longe do navio, não esperamos mais de 500 residentes a bordo em qualquer altura”, contabiliza.
“Acho isso ótimo”, diz Sharon. “É muito espaçoso para o número de pessoas”.
Em novembro de 2024, a Villa Vie Residences afirmou que 50% dos passageiros da primeira viagem estavam a viajar sozinhos. Hoje, o CEO da Villa Vie Residences, Mikael Petterson, confirma que os viajantes solteiros agora representam “cerca de 55%” dos que estão a bordo – Sharon Lane entre eles.
Mikael Petterson afirma que 80% dos proprietários do Villa Vie Odyssey são dos Estados Unidos e do Canadá, com a Austrália e a Nova Zelândia em segundo lugar.
Como uma recente adição à comunidade a bordo, Sharon Lane está a gostar de conhecer e conviver com os seus colegas residentes.
“Há muito, muito poucas pessoas no navio que não sejam viajantes de longa data”, diz. “Quando estamos com um grupo de pessoas que pensam como nós, a vida torna-se mais fácil”.
O Villa Vie Odyssey deveria ter embarcado em meados de 2024, mas acabou por ficar parado em Belfast, na Irlanda do Norte, durante quatro meses, à espera da certificação de segurança.
Quando o navio acabou por zarpar, o Villa Vie viu-se confrontado com alguns portos cancelados e alterações de itinerário. As paragens perdidas nas Ilhas Galápagos, nas Falklands no Atlântico Sul e na Antárctida provocaram alguma desilusão entre os passageiros.
“Os residentes compreendem, na sua maioria, que estamos a fazer algo novo e que haverá desafios ocasionais, mas penso que, em geral, estamos a melhorar”, afirma Mikael Petterson, da Villa Vie Residences.
Mikael Petterson atribui o cancelamento dos portos às condições climatéricas, à burocracia e aos problemas logísticos nos destinos onde são necessários navios mais pequenos para transportar os passageiros para terra.
“Às Galápagos não nos era possível ir porque é necessária uma tripulação 100% equatoriana”, relata. “Nas Malvinas, devido aos ventos de 50 nós”.
Mikael Petterson diz que, na Antárctida, o Villa Vie "não obteve os certificados a tempo e as condições meteorológicas não permitiram uma isenção. Tivemos alguns outros portos que não foram aprovados, onde as ondas simplesmente não eram seguras para as operações de transporte".
Mikael Petterson sugere que estes problemas iniciais serão ultrapassados à medida que a Villa Vie Residences ganhar mais experiência. O responsável salienta que este é um tipo de viagem nunca antes tentado.
O Villa Vie está atualmente a construir um passadiço personalizado para ligar o navio e os barcos de apoio para reduzir o movimento das ondas e das ondulações. Isto, diz o responsável, “reduzirá grandemente estes portos perdidos”.
“Temos um planeador de itinerários muito competente, que faz um planeamento com cerca de um ano de antecedência”, acrescenta Mikael Petterson. "É uma tarefa extremamente difícil, uma vez que não há ninguém que tenha feito este tipo de itinerário antes, pelo que é um desafio compreender todos os regulamentos em todas as regiões do mundo. No entanto, estamos a aprender imenso".
Para compensar os portos perdidos, foi adicionado um novo segmento ao cruzeiro “que oferece tudo o que faltou em 2024, incluindo a Antárctida, as Falklands, a Gronelândia e o norte da Europa”, de acordo com Mikael Petterson. O cruzeiro inclui uma estadia prolongada no porto argentino de Ushuaia, no extremo sul da América do Sul.
“Desta vez, vamos passar um mês inteiro em Ushuaia, o que nos dá muitas oportunidades de trabalhar com o tempo para garantir que chegamos às Falklands e à Antárctida”, acrescenta. “Aprendemos que o tempo lá em baixo é altamente imprevisível, pelo que esta flexibilidade irá garantir uma experiência fantástica para o cliente”.
Sharon Lane diz estar aliviada por ter perdido grande parte do drama inicial do Odyssey e está confiante de que o Villa Vie terá tempo suficiente para “resolver os problemas”. “Não quero complicações na minha vida. Estou numa fase da minha vida em que quero simplicidade”, diz.
No entanto, Sharon Lane experimentou em primeira mão algumas das incertezas da indústria nascente de cruzeiros de vários anos. Ela estava entre as centenas de passageiros que comprometeram milhares de dólares para uma viagem de cruzeiro de três anos planeada por uma start-up chamada Life at Sea.
Depois de vários adiamentos, o projeto fracassou, com a empresa de gestão Miray Cruises a nunca conseguir assegurar um navio para acolher a viagem.
Sharon Lane foi reembolsada, mas nessa altura já tinha desistido do seu contrato de arrendamento e vendido muitos dos seus pertences. Quando o sonho dos cruzeiros se desmoronou, mudou-se para uma casa de repouso em Orange County, na Califórnia, onde se sentiu estagnada.
"Durante os dois anos que lá estive, andei à procura de outro sítio para onde ir... Não estava instalada. Não me sentia instalada. Porque não era a vida que eu queria", confessa.
Sharon explica que não estava a par dos progressos da Villa Vie Residences até o Odyssey ter feito manchetes, quando finalmente zarpou, no outono de 2024. Ela ficou imediatamente convencida. A sua reação, diz, foi de apenas uma palavra: “Caramba!”.
“Telefonei-lhes e dei-lhes dinheiro no mesmo dia”, recorda.
Mikael Petterson, que trabalhou para a Life at Sea, até sair numa cisão de gestão, diz que cerca de metade dos passageiros desiludidos pela Life at Sea o seguiram para a nova empresa.
“Temos cerca de metade deles no Odyssey”, confirma.
Aqueles que compram camarotes de longa duração no Odyssey têm a opção de os vender, se as circunstâncias mudarem. Sharon Lane diz que atualmente espera passar os 15 anos completos no mar, vivendo finalmente a vida dos seus sonhos.
“Não há fim”, diz. “Claro, daqui a 15 anos... mas daqui a 15 anos, estarei pronta para uma casa... Ou talvez, no fim, vá para o próximo navio deles... Atravessarei essa ponte quando lá chegar.”
“Estar no convés de um navio é o meu lugar feliz”, resume Sharon Lane. "Sempre que o tempo está bom, estou no convés. E quando o tempo não está muito bom, agasalho-me e vou para o convés, porque é o meu lugar feliz. Podemos estar ali de pé, sentados, a conversar com as pessoas, a ler um livro. Temos a brisa do oceano, temos o ar do mar".
2025-07-05T18:17:55Z