Paul Salopek, jornalista premiado e explorador da National Geographic Society, embarcou numa viagem de cerca de 39.000 quilómetros no âmbito do projecto Jornada pelo Mundo – Out of Eden Walk. Seguindo as pegadas dos nossos antepassados humanos, envia-nos esta reportagem de Seul, a capital da Coreia do Sul.
Qual é o propósito da arte? O que compele os seres humanos a criarem-na? Por que razão a admiramos? Porque a coleccionamos?
Estas perguntas elementares, mas impossíveis de responder, tendem a surgir frequentemente ao longo da caminhada Out of Eden Walk, uma viagem de vários anos que implica refazer, a pé, os caminhos abertos pelos nossos antepassados na sua primeira descoberta da Terra durante a Idade da Pedra. Afinal, quer estejamos a falar em representações com 9.000 anos de touros selvagens gravadas em rochas no deserto da Jordânia ou na reprodução incessante de vídeos observacionais numa galeria iluminada com luz branca na moderna cidade de Xangai, o impulso por detrás destes trabalhos criativos é provavelmente o mesmo: pintamos, esculpimos, cantamos, escrevemos e filmamos para nos situarmos melhor na vasta e misteriosa experiência das nossas vidas. Desta forma, os artistas parecem oferecer ao Homo sapiens mapas que nos orientam rumo a um significado. Os destinos raramente são bem definidos. Como todos os tipos de exploração, a arte baseia-se na incerteza.
Foi verdadeiramente esse o caso no dia 8 de Dezembro em Seul, na Coreia do Sul, na inauguração da mais recente exposição da arte e narrativas do projecto Jornada pelo Mundo – Out of Eden Walk, WALKING KOREA: Cut Pieces. Apresentada no espaço artístico The WilloW, um antigo armazém enfiado no meio do movimentado mercado de verduras de Gyeongdong, o evento foi a segunda apresentação organizada para os artistas e contadores de histórias locais que conhecemos ao longo da nossa caminhada global. (A primeira foi apresentada no ano passado, na China.) A ideia essencial: expandir o foco do nosso projecto para além do jornalismo, de modo a incluir as artes contemporâneas dos países pelos quais caminhamos. Acrescentar poesia e dança aos nossos relatos. E, desta forma, sublinhar as subtilezas das culturas que atravessamos para além dos meros acontecimentos da actualidade. A diferença foi que, desta vez, os acontecimentos da actualidade quase nos fecharam a loja.
“Na noite em que começámos a trabalhar na nossa exposição no The WilloW, foi declarado estado de lei marcial”, diz a curadora da exposição, Sooyoung Leam, recordando a tentativa de golpe de estado pelo presidente Yoon Suk Yeol, que chocou a nação no dia 3 de Dezembro.
“À medida que os eventos se iam desenrolando ao longo da noite, a minha primeira preocupação foi não conseguirmos inaugurar a exposição. Esta preocupação agravou-se, tornando-se uma questão mais fundamental: o que pode fazer uma exposição de arte em momentos como este?”
A crise política na Coreia do Sul tornou a exposição ainda mais importante e urgente.
Artistas, jornalistas e o público em geral percorreram o gigantesco espaço expositivo, absorvendo o trabalho multimédia que, por vezes, mergulhava no legado doloroso da repressão política coreana. Muitos dos amantes de arte vieram até à exposição vindos das enormes manifestações que ocorriam junto ao edifício do parlamento, onde os legisladores estavam a tentar impugnar o presidente impopular. (O país, que é, há décadas, uma democracia estável, ainda está a recuperar. Um vídeo viral da tentativa falhada de golpe de estado mostra uma jovem mulher segurando a boca da espingarda de um soldado e gritando: “Não tem vergonha?”)
Leam montara a exposição WALKING KOREA como um exercício de “cortar” e “juntar” ideias artísticas, da mesma forma que as tesouras das pernas separam e juntam, simultaneamente as paisagens sobre as quais caminham.
Seis artistas coreanos contribuíram com obras que, por vezes, abordavam temas universais que afectavam a caminhada: migração humana e inquietação, fronteiras culturais e de género, o corpo, estados de exílio e a relação entre a paisagem e a memória. Metade dos artistas juntaram-se ao trilho de 650 quilómetros que a Out of Eden Walk percorreu na Coreia. Ao longo do Verão, caminharam em estradas rurais comigo e o meu companheiro de caminhada Junseok Lee. Foram dias abrasadores.
“Caminhar com o Paul e o Junseok em Agosto foi como cumprir uma penitência, mas eu precisava de um desafio daquele género na altura”, diz Oksun Kim, fotógrafa e autora de video art cujo trabalho, intitulado “Interview”, mostra mulheres líderes que resistiram às ditaduras do país no final do século XX. “Enquanto caminhava 40 quilómetros ao longo de dois dias, ganhei motivação para andar em frente apenas um passo de cada vez, recebendo forças daqueles que tinham caminhado juntos anteriormente. Esta viagem escaldante abriu a porta do trabalho que tinha sido adiado e eu consegui começar a fazer os meus vídeos novos.”
Youngrae Kim, um fotojornalista que andou a saltar, como uma bola de pingue-pongue e sem dormir, entre fotografar manifestações de rua e instalar o seu trabalho na exposição (“estou a viver à base de café”), aborda a questão da perda da memória cultural na Coreia. As suas imagens digitalizadas, semelhantes a estandartes, das plantas medicinais coreanas, intituladas Roots, simbolizam a perplexidade do seu avô, um ervanário de 95 anos, que ainda hoje se sente “um estranho numa nação cada vez mais ocidentalizante que ele ajudou a construir”.
Alexander Ugav, um artista cazaque-coreano, examina o poder das memórias reestruturadas na diáspora do país aplicando tecnologia de IA a fotografias de arquivo. A peça de vídeo e música de Cha Ji Ryang, “Afterlife”, foca-se na comunidade e na solidão de uma aldeia coreana praticamente abandonada. O artista conceptual Hyunseon Son construiu bengalas para o público usar num trabalho colaborativo. E Jinkyoung Jun contribuiu com pinturas de pessoas a ir-se embora, a pé, partilhando os seus fardos.
“Alguns podem ver os artistas da exposição como participantes na viagem a pé do Paul”, diz Jaemin Shin, o proprietário do The WilloW. “No entanto, eu vejo as coisas de outra forma. Acho que o Paul também participou nas viagens em curso da prática artística dos artistas.”
Com efeito, em Seul, os trilhos entrelaçados entre os artistas e o projecto Out of Eden Walk pareciam estender-se para além das paredes da galeria.
Na noite antes da inauguração da exposição WALKING KOREA, a fatigada equipa da exposição ficou espantada pelo encontro – por mero acaso – com um mar de 250.000 cidadãos amontoados nas ruas frias do Inverno, cantando para defenderem a sua democracia.
A National Geographic Society, empenhada em divulgar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financia o explorador Paul Salopek e o projecto Out of Eden Walk desde 2013. Explore o projecto aqui. Siga Paul no Instagram e no X (Twitter).
2025-01-16T13:01:04Z